quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Palacete do Visconde - parte 2

 O Palacete do Visconde: uma vocação ao serviço público (2) 


Fonte: BETEMPS, Leandro R. O Palacete do Visconde: uma vocação ao serviço público - parte 2. Diário da Manhã, Pelotas, RS, Brasil, p. p.12 - p.12, 03 maio 2008.

3. O Visconde de Jaguary (1835-1852)



Túmulo com os restos mortais do Visconde de Jaguary, na torre norte da Catedral de Pelotas. Foto de Leandro Betemps, 2008.

Embora não tendo êxito a proposta de Domingos Antiqueira de instalar a freguesia em terras de Isabel Silveira no Laranjal, o charqueador muito ajudou nas obras da igreja. Quando a comunidade fez a procissão para transferir a imagem do padroeiro, da casa do Padre Felício para a igreja, os registros de Vieira Pimenta contam que o comendador Domingos Antiqueira muito se gabou de ter carregado a imagem sem um momento de descanso (NASCIMENTO, 1982, 16).

Em 1817, e provavelmente também em 1818 e 1819, Antiqueira foi provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento e do Padroeiro São Francisco de Paula criada no mesmo ano da freguesia. Neste ano ele promoveu aqui pela primeira vez os festejos da Semana Santa (NASCIMENTO, 1982, 41; 50).

Mas foi quando um raio comprometeu a realização dos ofícios religiosos na igreja, antes de 1826, que o comendador Antiqueira passou a ajudar financeiramente na reconstrução e reformas que o prédio passou a receber. A partir daí forma várias doações para ajudar na reconstrução de 1828, na construção da capela-mor entre 1828-1834 e na construção do consistório durante a Guerra Farroupilha. Entre 1850-1851 Antiqueira mandou fazer as suas custas a torre norte da igreja (NASCIMENTO, 1982, 17; 20).

Nos anos de 1835, 1836 e 1849, Domingos Antiqueira foi Juiz da festa de São Francisco de Paula, cargo da Irmandade do Santíssimo responsável pela realização da festa do padroeiro.

Gutierrez investigou o inventário de Domingos e dele consta um considerável patrimônio: terras, a charqueada, imóveis urbanos, uma chácara junto à cidade, 40 escravos, além de apólices do Mercado Público e um camarote no Teatro Sete de Abril. Legou para a igreja a quantia de 500$000 réis e uma chácara na atual rua João Manuel que depois de arrematada rendeu 4:801$000 réis. Domingos era sem dúvida o maior benfeitor da igreja, sendo por isso, após sua morte em 02/05/1852 sepultado dentro do templo e hoje seus restos estão à entrada, na torre da direita, próximo a capela do Senhor dos Passos. Seu sepultamento foi realizado com muita pompa e Nascimento assim diz:

O próprio [José Vieira] Pimenta, grande amigo do Visconde encarregou-se do sepultamento e não poupou esforços ‘para tornar mais solene e mais pomposos todos os atos fúnebres, os quais foram presenciados por todos os habitantes de Pelotas que couberam na igreja’ (NASCIMENTO, 1982, 18).


Mas não foi apenas para a igreja que ele foi benfeitor, em 1826, Domingos aparece como doador de 200 contos de réis para auxiliar ao Exército chefiado pelo General Lecor que lutava na Guerra Cisplatina, o que lhe valeu a outorga da Comenda da Ordem de Cristo em 1826 e o título de Barão de Jaguary em 1829 (MOREIRA, 1988, 99-100).

Em fevereiro de 1846, Sua Majestade o Imperador Dom Pedro II passou por Pelotas e entre outras coisas fez o lançamento da pedra fundamental em terrenos doados por Mariana Eufrásia da Silveira para construção da nova Matriz de Pelotas, o que nunca aconteceu. Nesta visita o Imperador ficou hospedado no palacete do Barão de Jaguary na rua do Comércio esquina com a rua do Poço. Este sobrado era a residência urbana do Barão. Depois desta visita ele foi agraciado em 12/12/1846 com o título de Primeiro Visconde de Jaguary, com grandeza (NASCIMENTO, 1989, 324). Quando Dom Pedro II retornou a Pelotas em 24/10/1865, hospedou-se ainda na rua do Comércio que depois desta visita passou a ser chamada rua do Imperador. Porém seu anfitrião não foi mais Domingos Antiqueira que já era falecido, mas sim no solar de Antônio Rodrigues Ribas na esquina com a rua Martins Coelho (que em 1866 recebeu o nome de 24 de Outubro – data da chegada da Comitiva imperial a Pelotas; e depois de 1889 rua Tiradentes).

O Visconde casou três vezes. De sua primeira esposa Joana Maria Bernardina não deixou descendentes. Só deixou descendentes de seu segundo matrimônio com Maria Joaquina de Ávila Coelho. Maria Joaquina nasceu em 06/10/1795 em Piratini, filha do comendador José Martins Coelho, natural de Santa Catarina e de Ana Maria de Ávila, natural de Rio Grande, ambos netos de açorianos. O casamento de Maria Joaquina com Domingos Antiqueira se deu em 24/11/1810 em Rio Grande.

Maria Joaquina faleceu por volta de 1829 e em 05/06/1830 Domingos Antiqueira casa-se com Leocádia Amália da Silveira em Pelotas de quem também não deixa descendentes.


 


4. A Viscondessa de Jaguary (1852-1866)


O Visconde de Jaguary deixou filhos apenas de seu segundo casamento: Clara, Domingos, João, Maria Joaquina, Antônio e José. O casal ainda teve outros filhos, nascidos e falecidos em Pelotas, provavelmente em sua residência urbana: Ana (1821-1829), Genuína (1822-1829), Francisco (1824-1824), Israel (1825-1825) e Francisca (1828-1829).

Sua primeira filha é Clara Joaquina, batizada na freguesia de Povo Novo, em Rio Grande em 1812 e que casou-se em 1830 em Pelotas com o comendador Antônio Soares de Paiva, moradores do prédio que foi sede do Joquei Clube, na esquina em diagonal ao palacete do Visconde.

Domingos de Castro Antiqueira Filho, nascido em 1814 já batizado em Pelotas, casado com Luciana Eulália da Silva Travassos, moradores em Rio Grande.

João Bento de Castro Antiqueira, nasceu em 09/10/1815 em Pelotas, onde casou em 1836 com Rosa Angélica da Silveira. Deve ter falecido antes de 1847 e sem descendentes, visto não ser mencionado no testamento do pai escrito em 1847.

Maria Joaquina de Castro Antiqueira, nascida em 20/08/1817 em Pelotas, onde casou com Joaquim Marques de Sousa, moradores em São José do Norte. Joaquim era irmão do Conde de Porto Alegre, e neto do Patrono da VIII Brigada de Infantaria Motorizada.

Antônio de Castro Antiqueira, nascido em 22/02/1819 em Pelotas e casado com Clara Soares da Silva, moradores em Rio Grande.

José de Castro Antiqueira, nasceu em Pelotas em 23/05/1820, deixou pelo menos uma filha natural tida com Ana Eulália da Silva Travassos, moradores em Rio Grande.

Porém, o inventário do Visconde de Jaguary é do ano de 1852 e em pesquisa realizada a este documento pode-se verificar que seus bens foram herdados pela Viscondessa de Jaguary e os filhos do segundo casamento dele: Domingos de Castro Antiqueira, Maria Joaquina Marques de Souza, Antonio de Castro Antiqueira, José de Castro Antiqueira e os netos por sua filha já falecida Clara Joaquina Paiva, que moravam em Porto Alegre e Rio de Janeiro. Mas de suas posses queremos chamar atenção para o palacete da rua do Comércio. O inventário seguiu o testamento feito por ele em 1847, onde designa o dote de casamento e a casa onde morava para a esposa.

Leocádia, a Viscondessa, nasceu na freguesia do Estreito, filha de João Silveira da Rosa, natural da Enseada do Brito em Santa Catarina e de Rosa Inácia Maria de Jesus, natural de Rio Grande. Ela acompanhava o marido nas benesses que ambos realizavam na recém criada cidade. Seu nome é citado nos registros da Irmandade do Santíssimo Sacramento fazendo coletas de doações entre as senhoras em 1850 para mandar vir uma imagem sacra de Portugal. A imagem chegou em 1851 e ficou na casa da Viscondessa até ser conduzida em procissão para a igreja da Matriz. A Viscondessa tinha destaque na sociedade local e em 1844 e 1845 foi zeladora nas festas do padroeiro. Ela doou em 1852 um cálice de prata, patena e colher, junto com seu esposo que doou uma pomba de prata (NASCIMENTO, 1982, 23).  

A Viscondessa dita seu testamento em sua casa na cidade do Rio Grande em 05/09/1866, onde falece em 22/11/1866. Seus herdeiros são: a irmã, também testamenteira e inventariante Rosa Alexandrina da Silveira, casada com Sebastião Borges de Oliveira. A sobrinha e afilhada Leocádia Breckenfeldt que recebe um lance de casas na rua do Imperador. A sobrinha Maria Barbosa Breckenfeldt a quem legou seus móveis, louças, demais utensílios de sua casa e 8 escravos, sendo que uma escrava faleceu logo após a Viscondessa.

Mas o que nos interessa aqui é o “sobrado de cinco portas de frente situado em Pelotas à rua do Imperador esquina Sete de Setembro com fundos à rua da Igreja e o seu respectivo quintal”, avaliado em 12:000$000 réis e que foi comprado por dona Zeferina Maria Gonçalves da Cunha no ano de 1867.

A Viscondessa deixou muitas dívidas, e o dinheiro da venda do sobrado foi destinado ao seu pagamento. Algumas eram: 827$660 para o pagamento do funeral da Viscondessa que teve até uma orquestra contratada para acompanhar o funeral; 300$000 para o credor João Bento; 3.487$000 ao credor Cândido dos Santos Xavier; 149$465 para o credor Bento Alves Rebello & companhia; 43$340 ao credor Manuel Matias da Terra Velho; 1:501$683 para a credora Vicência Maria da Fontoura, 36$000 ao Dr. Octacílio Camará (médico que a atendeu em 7 encontros, inclusive um às 2h da madrugada); e 4:806$625 que coube a Rosa Alexandrina, sendo o restante líquido da herança.

A pesquisadora Eleonora Malet observa do processo de inventário que a Viscondessa tinha dificuldades financeiras em se manter. As dívidas em sua maioria se referiam a compras de roupas, serviços médicos e empréstimos. A Viscondessa fez seu testamento e faleceu em Rio Grande, o que indica que tinha locado o sobrado e outros imóveis em Pelotas. Devia sair daí seus rendimentos para manter a subsistência e o padrão de vida do tempo do Visconde. Segundo escreveu João Simões Lopes Neto em 1911, pelo menos uma parte do imóvel estava ocupada pela Mesa de Rendas de Pelotas, criada em 26/03/1855, portanto poucos anos após a morte do Visconde (REVISTA DO CENTENÁRIO, 1911, p. 47). Embora não se saiba por quanto tempo tenha ficado estabelecida ali.




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