A tradição francesa
do doce em Pelotas
Os charqueadores no século XIX,
através da mão-de-obra escrava, construíram em Rio Grande, a riqueza
do charque. As terras onde foram implantadas as charqueadas de Pelotas
pertenceram a Rio Grande até nossa emancipação política há 175 anos, em 1832
quando foi instalada a Câmara da Vila de São Francisco de Paula. Portanto as
charqueadas de Pelotas eram primeiro, riograndinas, da mesma forma pode-se
pensar na tradição doceira de Pelotas que surge antes em Rio Grande, como aparece
em 1820, o francês Auguste Saint-Hilaire. Segundo ele, foi em Rio Grande, que lhe
ofereceram após a janta e durante um baile “toda a sorte de doces e confeitos”
em uma “sala diversa da de jantar”. Em sua passagem por Pelotas só comeu carne,
pão e vinho. Certamente o doce era artigo de requinte, que os portugueses e
seus descendentes só saboreavam em momentos comemorativos na cidade onde viviam
e não nas casas das charqueadas do isolado distrito do arroio das pelotas onde
estavam seus negócios. Mas onde estaria a tradição do doce pelotense?
Com o crescimento econômico e
demográfico nas charqueadas é criada a freguesia em 1812, no ano seguinte começa
a construção da igreja primitiva e aos poucos vai se criando um pequeno povoado
para onde mudam-se os charqueadores com suas famílias depois da emancipação em 1832. A transferência dos
escritórios, residências e família dos charqueadores para os palacetes recém-construídos
em São Francisco
de Paula, trás junto a tradição dos doces finos portugueses. Prova disto é que
nas procissões e festas do padroeiro São Francisco de Paula, o casal festeiro
oferecia bandejas de doces aos freqüentadores. É a tradição doceira pelotense
que se firmava.
O charque era enviado por navios ao
nordeste brasileiro onde servia de alimentação dos escravos, e de lá os porões
vinham com farinha de mandioca e sobretudo, açúcar. E como já disse meu mestre,
o historiador Mario Magalhães, sal e açúcar se complementaram para o
florescimento da cidade que tão orgulhosa de si mesma se denominou “Princesa do
Sul”, ressaltando a sua opulência.
A herança portuguesa das sinhás
foi se adaptando à realidade sulina, e com a mão e os ingredientes das mucamas
e escravas vindas da África ou da Bahia tornaram o doce popular de tabuleiro em
doces finos de bandeja.
Muitos charqueadores possuíam
chácaras na Serra dos Tapes e para lá enviavam seus escravos durante a
entressafra para plantarem abóboras, milho e outros. Com a abolição estas
terras foram loteadas e vendidas para europeus, surgindo as colônias agrícolas.
Os primeiros a pensarem num
produto para o mercado foram os franceses chegados a partir de 1880. Trazendo o
vinho, a compota e doces cristalizados como traços culturais da França para ao
bom clima temperado de Pelotas no qual o próprio Saint-Hilaire escreveu ter
admirado pessegueiros em 1820, surge a fruticultura em Pelotas. Foram os
franceses que a partir de 1900 organizaram as primeiras fábricas artesanais familiares
das frutas cristalizadas, das conservas de frutas em calda como as compotas de
pêssego e dos doces em massa como a pessegada. A seguir, outras etnias passaram
a fundarem fábricas como os pomeranos e alemães com a produção de schimiers e
geléias e assim, na década de 1960/1970 Pelotas teve as agroindústrias,
herdeiras do legado dos franceses, que industrializaram os doces pelotenses que
dessa forma puderam ser exportados para longe e trazer a fama de “Capital do
Doce” para a “Princesa do Sul”.
Leandro Ramos Betemps
Publicado: Jornal Diário Popular, Pelotas, Sábado, 14/07/2007, página 6 - Opinião
Publicado: Jornal Diário da Manhã, Pelotas, Sábado, 14/07/2007, página 13 - Cultura
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