sábado, 14 de julho de 2007

 A tradição francesa do doce em Pelotas



 

Os charqueadores no século XIX, através da mão-de-obra escrava, construíram em Rio Grande, a riqueza do charque. As terras onde foram implantadas as charqueadas de Pelotas pertenceram a Rio Grande até nossa emancipação política há 175 anos, em 1832 quando foi instalada a Câmara da Vila de São Francisco de Paula. Portanto as charqueadas de Pelotas eram primeiro, riograndinas, da mesma forma pode-se pensar na tradição doceira de Pelotas que surge antes em Rio Grande, como aparece em 1820, o francês Auguste Saint-Hilaire. Segundo ele, foi em Rio Grande, que lhe ofereceram após a janta e durante um baile “toda a sorte de doces e confeitos” em uma “sala diversa da de jantar”. Em sua passagem por Pelotas só comeu carne, pão e vinho. Certamente o doce era artigo de requinte, que os portugueses e seus descendentes só saboreavam em momentos comemorativos na cidade onde viviam e não nas casas das charqueadas do isolado distrito do arroio das pelotas onde estavam seus negócios. Mas onde estaria a tradição do doce pelotense?

Com o crescimento econômico e demográfico nas charqueadas é criada a freguesia em 1812, no ano seguinte começa a construção da igreja primitiva e aos poucos vai se criando um pequeno povoado para onde mudam-se os charqueadores com suas famílias depois da emancipação em 1832. A transferência dos escritórios, residências e família dos charqueadores para os palacetes recém-construídos em São Francisco de Paula, trás junto a tradição dos doces finos portugueses. Prova disto é que nas procissões e festas do padroeiro São Francisco de Paula, o casal festeiro oferecia bandejas de doces aos freqüentadores. É a tradição doceira pelotense que se firmava.

O charque era enviado por navios ao nordeste brasileiro onde servia de alimentação dos escravos, e de lá os porões vinham com farinha de mandioca e sobretudo, açúcar. E como já disse meu mestre, o historiador Mario Magalhães, sal e açúcar se complementaram para o florescimento da cidade que tão orgulhosa de si mesma se denominou “Princesa do Sul”, ressaltando a sua opulência.

A herança portuguesa das sinhás foi se adaptando à realidade sulina, e com a mão e os ingredientes das mucamas e escravas vindas da África ou da Bahia tornaram o doce popular de tabuleiro em doces finos de bandeja.

Muitos charqueadores possuíam chácaras na Serra dos Tapes e para lá enviavam seus escravos durante a entressafra para plantarem abóboras, milho e outros. Com a abolição estas terras foram loteadas e vendidas para europeus, surgindo as colônias agrícolas.

Os primeiros a pensarem num produto para o mercado foram os franceses chegados a partir de 1880. Trazendo o vinho, a compota e doces cristalizados como traços culturais da França para ao bom clima temperado de Pelotas no qual o próprio Saint-Hilaire escreveu ter admirado pessegueiros em 1820, surge a fruticultura em Pelotas. Foram os franceses que a partir de 1900 organizaram as primeiras fábricas artesanais familiares das frutas cristalizadas, das conservas de frutas em calda como as compotas de pêssego e dos doces em massa como a pessegada. A seguir, outras etnias passaram a fundarem fábricas como os pomeranos e alemães com a produção de schimiers e geléias e assim, na década de 1960/1970 Pelotas teve as agroindústrias, herdeiras do legado dos franceses, que industrializaram os doces pelotenses que dessa forma puderam ser exportados para longe e trazer a fama de “Capital do Doce” para a “Princesa do Sul”.


Leandro Ramos Betemps

Publicado: Jornal Diário Popular, Pelotas, Sábado, 14/07/2007, página 6 - Opinião

Publicado: Jornal Diário da Manhã, Pelotas, Sábado, 14/07/2007, página 13 - Cultura

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