terça-feira, 24 de junho de 2003

 

Franceses: uma contribuição para a fama doceira de Pelotas



Nestes últimos dias, não há pelotense que não tenha escutado falar na feira que está sendo realizada no Centro de Eventos, no município de Pelotas. Doces deliciosos, estandes, passeios, apresentações e personagens ilustres que passam pela FENADOCE são temas daquelas conversas. A cada edição a Feira Nacional do Doce está mais valorizada, com melhor organização, mais preparada para mostrar Pelotas além de nossas fronteiras. A tradição do doce, da cultura, da História do município vem à tona para comprovar que Pelotas continua se desenvolvendo e tem condições para fazer ainda muito mais, há potencial para isto.

Se a tradição e História são chamadas nestes deliciosos e agradáveis dias, cabe aqui fazer uso delas também para aprofundarmos nossa compreensão sobre a fama doceira de Pelotas. Nossos já nacionalmente famosos doces refinados, nascidos das saborosas, antigas e secretas receitas das cozinhas dos palacetes e casarões de outrora, sem dúvida, são nossa herança portuguesa, legados desde os tempos áureos dos saraus, por nossas avós lusitanas.

Entretanto, não só os portugueses, mas outros imigrantes também muito contribuíram para nossa fama de Capital do Doce. Fama esta nascida também, graças a grande produção de frutas da região, em especial o pêssego. Não venho negar a importância dos portugueses nesta origem, mas lembrar de juntar a eles outros imigrantes que também fizeram uso desta vocação de Pelotas surgida na transição entre o sal das charqueadas e o açúcar de nossas indústrias.

Durante a década de 80, Pelotas obteve cifras elevadas na produção de compotas e garantiu a permanência em funcionamento de diversas agroindústrias. Pois bem, estes imigrantes chegados na região de Pelotas em fins do século XIX, entre eles, alemães, franceses e italianos, souberam dar sua contribuição para o desenvolvimento econômico de Pelotas. Na zona rural, alemães e italianos inicialmente fecharam-se em sua própria cultura, desenvolvendo uma produção voltada para o autoconsumo. Enquanto que os franceses saíram à frente, ao fundarem a colônia de Santo Antônio, no Distrito de Quilombo, Sétimo Distrito de Pelotas, em 1880, já preocupavam-se em desenvolver um produto para o mercado pelotense, buscando para isso uma abertura cultural com a sociedade urbana.

Primeiramente privilegiaram a produção da alfafa: lucrativa e de rápido retorno. A seguir, entre seus traços típicos, os franceses escolheram e passaram a valorizar a fruticultura. Começaram a plantar vinhas e árvores frutíferas. Para aproveitar a boa produção e aumentar o período de validade das frutas, beneficiavam o excesso produzindo vinho e conservando as outras frutas em calda de açúcar, produzindo compotas; ou cozendo-as em passas, preparando as famosas pessegadas.

Na época, o consumo de vinho era proporcionalmente maior do que hoje, pois o consumo de cerveja e aguardente eram menores. Assim, a produção de vinho e o cultivo de uva se desenvolveu mais que os doces na colônia francesa. Com o tempo, porém, não podendo rivalizar com os vinhos produzidos na Serra Gaúcha, os franceses foram optando pela manutenção apenas das fábricas artesanais de doces, compotas e conservas. Os parreirais deram lugar a muitos pessegueiros. A primeira destas fábricas na Colônia Santo Antônio foi a dos Pastorello fundada em 1900. Domingos Pastorello seguia os passos de outros dois franceses: Ambrósio Perret, o introdutor de árvores frutíferas em Pelotas, e Amadeu Gastal, o pioneiro na fabricação da compota de pêssego em Pelotas, isso ainda no ano de 1878 antes da chegada da segunda leva de franceses em Pelotas. Não havia família francesa que não cultivasse as frutas e produzisse compotas e doces. A aceitação no mercado pelotense foi tanta que outras fábricas foram surgindo ao lado das existentes na colônia francesa e espalhando-se por toda a zona rural. Se antes, a produção de vinho ficou praticamente restrita à Colônia Santo Antônio, agora, o cultivo, principalmente, do pêssego e o beneficiamento de frutas ganharam adeptos por todo o município e adjacências.

Na década de 60, estas fábricas artesanais da zona rural começavam a ter problemas econômicos para manterem suas portas abertas. Uma a uma foram sendo fechadas ou passando a estabelecimentos intermediários cuja função era o de fornecer matéria-prima para as agroindústrias que surgiam em nosso Distrito Industrial. A Colônia Francesa de Pelotas, berço das antigas fábricas artesanais que beneficiavam as frutas transformando-as em doces em passas ou em calda e que deram origem as agroindústrias do município, teve sua última fábrica fechada em 1972. Outras continuaram existindo, mas, fora da colônia Santo Antônio, a sua maioria de origem alemã ou pomerana. Aos fabricantes franceses resta a homenagem da Câmara Municipal ao dar seus nomes para logradouros públicos: Daniel Capdeboscq, Emílio Ribes, Domingos Pastorello.

Passeando agora, pelas tentadoras e apetitosas bancas de venda de doces nos pavilhões da FENADOCE, encontramos ali, uma banca que lembra esta contribuição francesa na tradição doceira de Pelotas. Entre as famílias francesas, que ainda hoje guardam algumas das tradições de seus ancestrais na produção de doces, está a família Crochemore que merece destaque por ser a única que tem, entre os descendentes de franceses em Pelotas, uma produção industrial de doces e compotas valorizando aquela antiga maneira artesanal de produzir saborosos doces.


Autor: Leandro Ramos Betemps

Publicado: Jornal Diário da Manhã, Pelotas, Terça-Feira, 24/06/2003, página 15 - Caderno de Aniversário

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