Franceses: uma contribuição para a fama doceira de Pelotas
Nestes últimos dias, não há
pelotense que não tenha escutado falar na feira que está sendo realizada no
Centro de Eventos, no município de Pelotas. Doces deliciosos, estandes,
passeios, apresentações e personagens ilustres que passam pela FENADOCE são
temas daquelas conversas. A cada edição a Feira Nacional do Doce está mais
valorizada, com melhor organização, mais preparada para mostrar Pelotas além de
nossas fronteiras. A tradição do doce, da cultura, da História do município vem
à tona para comprovar que Pelotas continua se desenvolvendo e tem condições
para fazer ainda muito mais, há potencial para isto.
Se a tradição e História são
chamadas nestes deliciosos e agradáveis dias, cabe aqui fazer uso delas também
para aprofundarmos nossa compreensão sobre a fama doceira de Pelotas. Nossos já
nacionalmente famosos doces refinados, nascidos das saborosas, antigas e
secretas receitas das cozinhas dos palacetes e casarões de outrora, sem dúvida,
são nossa herança portuguesa, legados desde os tempos áureos dos saraus, por
nossas avós lusitanas.
Entretanto, não só os
portugueses, mas outros imigrantes também muito contribuíram para nossa fama de
Capital do Doce. Fama esta nascida também, graças a grande produção de frutas
da região, em especial o pêssego. Não venho negar a importância dos portugueses
nesta origem, mas lembrar de juntar a eles outros imigrantes que também fizeram
uso desta vocação de Pelotas surgida na transição entre o sal das charqueadas e
o açúcar de nossas indústrias.
Durante a década de 80, Pelotas
obteve cifras elevadas na produção de compotas e garantiu a permanência em
funcionamento de diversas agroindústrias. Pois bem, estes imigrantes chegados
na região de Pelotas em fins do século XIX, entre eles, alemães, franceses e
italianos, souberam dar sua contribuição para o desenvolvimento econômico de
Pelotas. Na zona rural, alemães e italianos inicialmente fecharam-se em sua
própria cultura, desenvolvendo uma produção voltada para o autoconsumo.
Enquanto que os franceses saíram à frente, ao fundarem a colônia de Santo
Antônio, no Distrito de Quilombo, Sétimo Distrito de Pelotas, em 1880, já
preocupavam-se em desenvolver um produto para o mercado pelotense, buscando
para isso uma abertura cultural com a sociedade urbana.
Primeiramente privilegiaram a
produção da alfafa: lucrativa e de rápido retorno. A seguir, entre seus traços
típicos, os franceses escolheram e passaram a valorizar a fruticultura.
Começaram a plantar vinhas e árvores frutíferas. Para aproveitar a boa produção
e aumentar o período de validade das frutas, beneficiavam o excesso produzindo
vinho e conservando as outras frutas em calda de açúcar, produzindo compotas;
ou cozendo-as em passas, preparando as famosas pessegadas.
Na época, o consumo de vinho era
proporcionalmente maior do que hoje, pois o consumo de cerveja e aguardente
eram menores. Assim, a produção de vinho e o cultivo de uva se desenvolveu mais
que os doces na colônia francesa. Com o tempo, porém, não podendo rivalizar com
os vinhos produzidos na Serra Gaúcha, os franceses foram optando pela
manutenção apenas das fábricas artesanais de doces, compotas e conservas. Os
parreirais deram lugar a muitos pessegueiros. A primeira destas fábricas na
Colônia Santo Antônio foi a dos Pastorello fundada em 1900. Domingos Pastorello
seguia os passos de outros dois franceses: Ambrósio Perret, o introdutor de
árvores frutíferas em Pelotas, e Amadeu Gastal, o pioneiro na fabricação da
compota de pêssego em Pelotas, isso ainda no ano de 1878 antes da chegada da
segunda leva de franceses em Pelotas. Não havia família francesa que não
cultivasse as frutas e produzisse compotas e doces. A aceitação no mercado
pelotense foi tanta que outras fábricas foram surgindo ao lado das existentes
na colônia francesa e espalhando-se por toda a zona rural. Se antes, a produção
de vinho ficou praticamente restrita à Colônia Santo Antônio, agora, o cultivo,
principalmente, do pêssego e o beneficiamento de frutas ganharam adeptos por
todo o município e adjacências.
Na década de 60, estas fábricas
artesanais da zona rural começavam a ter problemas econômicos para manterem
suas portas abertas. Uma a uma foram sendo fechadas ou passando a
estabelecimentos intermediários cuja função era o de fornecer matéria-prima
para as agroindústrias que surgiam em nosso Distrito Industrial. A Colônia
Francesa de Pelotas, berço das antigas fábricas artesanais que beneficiavam as
frutas transformando-as em doces em passas ou em calda e que deram origem as
agroindústrias do município, teve sua última fábrica fechada em 1972. Outras
continuaram existindo, mas, fora da colônia Santo Antônio, a sua maioria de
origem alemã ou pomerana. Aos fabricantes franceses resta a homenagem da Câmara
Municipal ao dar seus nomes para logradouros públicos: Daniel Capdeboscq,
Emílio Ribes, Domingos Pastorello.
Passeando agora, pelas
tentadoras e apetitosas bancas de venda de doces nos pavilhões da FENADOCE,
encontramos ali, uma banca que lembra esta contribuição francesa na tradição
doceira de Pelotas. Entre as famílias francesas, que ainda hoje guardam algumas
das tradições de seus ancestrais na produção de doces, está a família
Crochemore que merece destaque por ser a única que tem, entre os descendentes
de franceses em Pelotas, uma produção industrial de doces e compotas
valorizando aquela antiga maneira artesanal de produzir saborosos doces.
Autor: Leandro Ramos Betemps
Publicado: Jornal Diário da Manhã, Pelotas, Terça-Feira, 24/06/2003, página 15 - Caderno de Aniversário
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