Criando ferramentas para pensar a Memória Social através dos acervos culturais da Colônia Francesa de Pelotas/RS
Fonte: BETEMPS, Leandro Ramos.
O presente texto pretende comunicar a construção metodológica que
realizei para desenvolver meu projeto de pesquisa vinculado ao Mestrado
Inicialmente apresento as diretrizes do projeto, depois os cuidados que
tive na construção do corpo teórico e metodológico. Por fim, apresento alguns
resultados obtidos e aspectos que penso serem importantes numa pesquisa social.
O projeto de pesquisa
Em 2000, apresentei ao Curso de Especialização em Patrimônio cultural e
conservação de artefatos, da UFPel, as conclusões de pesquisa que realizei
sobre os traços culturais do grupo
étnico francês de Pelotas.
À época da pesquisa de campo, percebi a quantidade de elementos, carregados de memórias e
simbolismos, que ajudam as famílias a fortalecerem os laços étnicos,
mantendo o grupo unido há mais de 125 anos.
Problematizando, me perguntei se
a partir destes fragmentos de memória seria possível compreender: o
espaço, as relações, as permanências e as identidades. Com esta problematização
dei início as definições e metas do projeto.
Como tema, escolhi a gestão do acervo cultural do grupo étnico. Tendo
como objeto de pesquisa a própria relação entre memória social e os suportes
de memória da comunidade formada pelo grupo étnico durante sua trajetória histórica.
Meus problemas são saber quais os suportes de memória a que o grupo se
remete? E como esse acervo de suportes mantém a memória social do grupo, conta
sua história e constrói a identidade étnica no tempo?
Como objetivo geral, busco identificar e analisar elementos que evocam
e/ou representam a memória social que perpassa a História da comunidade étnica
da Colônia Francesa de Pelotas.
E como objetivos específicos, investigar e identificar os elementos
indicados pelo grupo como suportes da memória social. Catalogar e inventariar
os suportes orais, visuais e materiais, que conta a história e a memória social,
com base no suporte escrito. Analisar e contextualizar o inventário
constituído, para revelar aspectos que evoquem a memória, a história ou a etnicidade
do grupo.
Suportes de memória social, História cultural e identidade étnica
francesa são as palavras-chave que indicaram o título do trabalho: “Suportes de Memória Social, História e Etnia:
os acervos culturais da Colônia Francesa de Pelotas-Rs”.
A construção teórica da pesquisa
O primeiro passo foi buscar todas as informações e discussões possíveis
referentes ao tema. Uma revisão bibliográfica foi essencial. Com isso busquei
obras sobre imigração, colonização e História, tanto em Pelotas, como no Rio
Grande do Sul, Brasil ou mesmo na França. Pela minha formação acadêmica
priorizo a historicidade como base de
análise dos suportes, por entender que ela é quem dá significados e contextos
aos suportes aproximando os indivíduos, criando a noção de etnicidade e
construindo a identidade. Com esta linha teórica busquei leituras que me
apoiassem e pudessem dialogar juntas. Para isso precisei recorrer a obras sobre
memória, história, etnia e temas transversais que aproximam estas categorias.
A revisão bibliográfica me deu, por exemplo, pressupostos teóricos para
definir o grupo étnico, dito “francês”, como sendo o grupo de 50 famílias
francesas e seus descendentes, que em 1880 fundaram a Colônia Santo Antônio, no
interior de Pelotas. E entender que os suportes de memória são como pontes que ligam indivíduos separados por
espaços, tempos, culturas ou grupos sociais diferentes.
A partir deste aprofundamento fui capaz de estruturar a pesquisa que
levou a organização dos capítulos finais da dissertação. No capítulo 1, apresento uma reflexão teórica
sobre Memória, História, Etnia e Identidade, que são as basilares do trabalho. No
capítulo 2, uma reflexão
teórico-metodológica dos suportes (escrito, material, visual e oral),
relacionados com as basilares. O capítulo
3 contém o início da construção do objeto em si, aqui apresento um
histórico da Colônia, sua memória, identidade e outros aspectos. No capítulo 4, descrevo os catálogos dos
suportes citados e apresentados pelo grupo étnico, é a constituição do corpo documental.
No capítulo 5, apresento os aspectos
reflexivos, a análise da memória através das categorias dos catálogos e suas
implicações quanto à etnia e à identidade.
A construção metodológica da
pesquisa
Depois de estabelecer os objetivos do projeto e ter feito as leituras
iniciais, passei a definir o desenrolar metodológico. A pesquisa, quanto a seu
objetivo, é um estudo histórico, descritivo, explicativo. Quanto ao
procedimento, é uma pesquisa bibliográfica, documental com levantamento de
dados e trabalho de campo.
Tracei algumas estratégias de ação como forma de discernimento
metodológico quando, por exemplo, defino a pesquisa como um estudo histórico e não como um estudo
de caso. Penso que ter claro, o tipo de pesquisa que se quer realizar, é
importante para evitar muitas mudanças metodológicas durante o trabalho.
Alterações no projeto sempre ocorrem até o final, pois imprevistos acontecem e
as fontes podem revelar coisas com as quais não contávamos. Entre estas
estratégias criadas, dei atenção para as etapas metodológicas. É importante ter
bem definidas as etapas da pesquisa. No meu caso, as etapas são: a coleta de
dados, a leitura interpretativa destes dados, a catalogação e criação de um
catálogo descritivo de suportes, a categorização e tematização dos suportes,
para depois comparar as categorias e analisar como o grupo étnico francês
gerencia seus suportes de memória, história e etnia.
Para analisar estes suportes foi necessário pensar a organização dos
mesmos.
Os suportes de memória podem ser elementos de cultura material, visual ou
oral. Eles formam um conjunto que denominei acervo cultural étnico-familiar,
pois está sob a guarda de um arquivo familiar, com a função de conservação de
um passado e uma identidade através da memória. Este arquivo familiar é então
formado por diferentes acervos culturais que servem para avaliar o grau de compartilhamento e uso da memória
social do grupo. São eles os acervos: iconográfico, material e oral. Para fazer
uso destes acervos foi necessária uma revisão teórica específica para cada
suporte.
Para o acervo iconográfico fui
buscar os pressupostos nos teóricos da cultura visual. Pois, para analisar uma
fotografia, é preciso usar operadores que revelem a visualidade, articulando a
imagem, o objeto, o modo de olhar e a cultura visual dos sujeitos.
Para o acervo material foi
preciso analisar a diversidade material do cotidiano contextualizando-a com
suas variações de representação e de imaginário, com base nos teóricos de
cultura material, sobretudo da Arqueologia Histórica.
Para o acervo oral, formado de depoimentos
que como narrativa, carregam a experiência pessoal e a articulação simbólica,
foi necessário buscar auxílio nos teóricos de história oral.
Para me aproximar do grupo
étnico criei um roteiro de entrevista, semiestruturada, onde estipulei algumas
perguntas fechadas em forma de questionário e outras abertas para que o
depoente falasse mais livremente. Com as entrevistas e a observação visual, é
possível acessar os diferentes suportes.
O roteiro de entrevista é uma
síntese do problema da pesquisa, por isso dividi as perguntas em três blocos. O
primeiro sobre as características do entrevistado, o segundo sobre sua relação
com a Colônia Francesa e o terceiro sobre sua memória e suportes.
A memória social surge quando os
acervos testemunham o passado e
identificam no presente. Estas duas perspectivas dependem somente do
indivíduo. Ele é quem vive, necessita e lembra. Ele escolhe e se apropria de
determinados suportes para contar a sua história. Visto existir essa
subjetividade que diversifica e enriquece o questionamento científico, é
preciso realizar uma amostragem para análise.
Nesta amostragem foram
convidadas três famílias com diferentes graus de proximidade com o núcleo da
Colônia Francesa: uma que sempre viveu na Colônia; outra que depois tenha saído
da Colônia; e outra que tenha ido para fora do Município. Dentro de cada uma
destas três famílias, fez-se nova amostragem, agora por diferentes gerações:
alguém da 1ª geração (por exemplo, um avô); outro da 2ª geração (um filho); e
outro de 3ª geração (o neto). Cada um destes nove depoentes tem condições de
apresentar seus diferentes suportes de memória pessoal para serem
inventariados: suportes de fonte material (por exemplo, construções e
objetos); suportes de fonte visual (fotografia, pintura, desenhos); suportes de
fonte oral (conselhos, vivências, saberes, anedotas); e suportes de fonte
escrita (jornais, certidões, livros).
Cada indivíduo está inserido em grupos sociais diferentes e utiliza elementos
diferentes para contar sua história pessoal ou familiar e manter suas raízes.
Alguns resultados
Depois da construção metodológica, a pesquisa segue as etapas práticas e
chega ao momento da constituição do corpo documental. Após ter muito se exercitado
para dar boas linhas e formas ao corpo teórico e metodológico. É preciso ainda ter
o corpo documental muito bem definido antes de partir para a análise.
O corpo documental tem de me permitir alcançar o objeto de pesquisa, ou
seja, devo ser capaz de entender por um lado o histórico da Colônia Francesa,
sua memória social e identidade étnica; e por outro lado, identificar estes
suportes de memória e como eles são utilizados pelo grupo.
No foco de pesquisa está a Colônia Francesa de Santo Antônio, fundada em
1880, localizada no Distrito de Quilombo (Sétimo Distrito do município de
Pelotas), a distância de
Para sua continuidade na fronteira étnica, o grupo fez uso de alguns
traços culturais que representando símbolos e significados, vinculam indivíduos
numa organização social chamada etnia. A existência de um grupo étnico não vem
da presença de traços culturais. Mas, das relações e sentimentos de pertença na
fronteira étnica. É por isso que não busco resgatar memória, identidade ou
história. Aquelas pessoas de sangue francês não existem mais, existem sim,
descendentes de famílias francesas que fazem uso de determinados suportes de
memória, que são ou referenciam traços culturais que os une socialmente no
presente.
Para responder ao meu problema de pesquisa é preciso cruzar as diferentes
fontes (orais, materiais e visuais) e as diversas categorias de análise. É
preciso dialogar a memória social com seus suportes.
Aspectos conclusivos
Para finalizar esta partilha das dificuldades, cuidados e experiências
que tive na criação das ferramentas para meu trabalho de pesquisa, eu gostaria
de chamar atenção para alguns aspectos que penso serem importantes numa
pesquisa social.
Primeiro, devemos pensar nos riscos e dificuldades que o projeto de
pesquisa pode ter. No meu caso, o mais significativo deles é a
descaracterização do meio. Essa descaracterização não se dá por falta de
interesse ou mudança cultural, o que é natural haver ressignificações e
alterações de conteúdo ao longo do tempo, pois o homem é um ser em constante
atualização. A descaracterização se dá por empobrecimento da zona rural e leva
à mudança acelerada das referências às próprias raízes assim como das antigas
adegas, fábricas e casas de pedra erguidas pelos imigrantes.
Por fim, e não menos importante estamos ligados ao grupo das Ciências
Humanas ou Sociais, e isso intensifica o dever e a responsabilidade de nossas
pesquisas estarem relacionadas a algum impacto social. É importante pensarmos
nos resultados esperados, a que e a quem servirá nosso trabalho? Ele poderá
tornar melhor a vida da comunidade e, sobretudo, de nossos depoentes?
Por isso, é interessante que nosso trabalho possa se vincular com projetos
já existentes, cujos temas sejam interligados ao de nossa pesquisa. A partir de
uma demanda da comunidade étnica estudada surgiu o interesse num projeto de
musealização. Sem conseguir realizá-lo sozinha, a comunidade recebeu essencial apoio
do poder público e da Academia, e juntos puseram o projeto
Nenhum comentário:
Postar um comentário