Em 12/11/2008, participei como comunicador no X ENPOS (Encontro de Pós-Graduação) e XVII Congresso de Iniciação Científica, da Universidade Federal de Pelotas.
A PESQUISA DA MEMÓRIA
SOCIAL A PARTIR DOS ACERVOS CULTURAIS DA COLÔNIA FRANCESA DE SANTO ANTÔNIO EM
PELOTAS-RS
Autores: BETEMPS, Leandro
Ramos1; CERQUEIRA, Fábio
Vergara2
1,2 Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural – ICH/UFPel.
1. INTRODUÇÃO
O presente texto
pretende comunicar a construção metodológica realizada para desenvolver este
projeto de pesquisa, sob a orientação do Prof. Dr. Fábio Vergara Cerqueira, e
vinculado ao Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural, do Instituto de
Ciências Humanas, da Universidade Federal de Pelotas. Aqui apresento as
diretrizes do projeto, depois a construção do corpo teórico e metodológico. E,
por fim, alguns resultados obtidos até o momento.
Em 2000, concluí uma
pesquisa sobre os traços culturais do grupo étnico da Colônia Francesa de Santo
Antônio. Esta colônia foi fundada em 1880 e está localizada no Distrito de
Quilombo (Sétimo Distrito de Pelotas), a distância de 35 km da cidade. Em sua
trajetória histórica o grupo sempre buscou estratégias de sobrevivência
econômica e reprodução cultural. Sua economia se constituía da fabricação de
vinho, de frutos cristalizados, compotas e doces em pasta.
À época da pesquisa
de campo, percebi a quantidade de elementos, carregados de memórias e
simbolismos, que ajudam as famílias a fortalecerem os laços étnicos, mantendo o
grupo unido há 128 anos.
Problematizando, me
perguntei se a partir destes fragmentos de memória seria possível compreender:
o espaço, as relações, as permanências e as identidades. Com esta
problematização, demos início às definições e metas do projeto.
Como tema, escolhemos
a gestão do acervo cultural do grupo étnico, tendo como objeto de pesquisa a
própria relação entre memória social e os suportes de memória da comunidade
formada pelo grupo, durante sua trajetória histórica.
Os problemas são
saber quais os suportes de memória a que o grupo se remete e como esse acervo
de suportes mantém a memória social do grupo, conta sua história e constrói a
identidade étnica no tempo.
Como objetivo geral,
buscamos identificar e analisar elementos que evocam e/ou representam a memória
social que perpassa a História da comunidade. E, como objetivos específicos,
investigar e identificar os elementos indicados pelo grupo como suportes da
memória social. A estes objetivos, somam-se a catalogação e inventário dos
suportes orais, visuais e materiais, que contam a história e a memória social,
contextualizados com o suporte escrito, assim como a análise e contexto do
inventário constituído, para revelar aspectos que evocam a memória, a história
ou a etnicidade do grupo.
Acervo de suportes de
memória social, História cultural e identidade étnica francesa são as
palavras-chave que indicam o título do trabalho: “Suportes de Memória Social,
História e Etnia: os acervos culturais da Colônia Francesa de Pelotas-Rs”.
2. METODOLOGIA
O primeiro passo foi
buscar informações e discussões possíveis referentes ao tema. Uma revisão
bibliográfica foi essencial. Com isso busquei obras sobre imigração,
colonização e História, tanto de Pelotas, como do Rio Grande do Sul, Brasil ou
mesmo da França. Pela minha formação acadêmica, priorizo a historicidade como
base de análise dos suportes, por entender que ela é quem dá significados e
contextos aos suportes, aproximando os indivíduos, criando a noção de
etnicidade e construindo a identidade. Com esta linha teórica, busquei leituras
que me apoiassem e pudessem dialogar juntas. Para isso precisei recorrer a
obras sobre memória, história, etnia e temas transversais que aproximam estas
categorias.
A revisão
bibliográfica me deu, por exemplo, pressupostos teóricos para definir o grupo
étnico, dito “francês”, como sendo o grupo de 50 famílias francesas fundadoras e
seus descendentes. Propiciou, ainda, entender que os suportes de memória são
como pontes que ligam indivíduos separados por espaços, tempos, culturas ou
grupos sociais diferentes.
Depois definimos o
desenrolar metodológico. A pesquisa, quanto a seu objetivo, é um estudo
histórico, descritivo, explicativo. Quanto ao procedimento, é uma pesquisa
bibliográfica, documental, com levantamento de dados e trabalho de campo. As
etapas metodológicas da pesquisa são: a coleta de dados, a leitura interpretativa
destes dados, a catalogação e criação de um catálogo descritivo de suportes, a
categorização e tematização dos suportes, depois a comparação das categorias e a
análise de como o grupo étnico francês gerencia seus suportes de memória, com
vistas à história e à identidade étnica.
Os suportes de
memória são elementos de cultura material, visual ou oral. Eles formam um
conjunto denominado acervo cultural étnico-familiar e está sob a guarda de um
arquivo familiar. Este arquivo tem a função de conservação de um passado e de uma
identidade através da memória. Então, ele é formado por diferentes acervos
culturais que servem para se avaliar o grau de compartilhamento e uso da
memória social do grupo. São eles os acervos: iconográfico, material e oral.
Para fazer uso destes acervos foi necessária uma revisão teórica específica
para cada suporte.
Para o acervo
iconográfico, buscamos fundamentação nos pressupostos dos teóricos da cultura
visual. Pois, para analisar uma fotografia, é preciso usar operadores que
revelem a visualidade, que articula a imagem, o objeto, o modo de olhar e a
cultura visual dos sujeitos.
Para o acervo
material, foi preciso analisar a diversidade material do cotidiano,
contextualizando-a com suas variações de representação e de imaginário, com
base nos teóricos de cultura material, sobretudo da Arqueologia Histórica.
Para o acervo oral,
formado de depoimentos que, como narrativa, carregam a experiência pessoal e a
articulação simbólica, foi necessário buscar auxílio nas teóricas de História
oral.
Com o intuito de me
aproximar do grupo étnico, criamos um roteiro de entrevista, semi-estruturada, com
algumas perguntas fechadas em forma de questionário e outras abertas para o
depoente falar mais livremente. Com as entrevistas e a observação visual, é
possível acessar os diferentes suportes. O roteiro de entrevista é uma síntese
do problema da pesquisa e busca as características do entrevistado, sua relação
com a Colônia Francesa e a memória através da indicação de suportes.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A memória social
surge quando os acervos testemunham o passado e alimentam as identidades no
presente. Estas duas perspectivas dependem somente do indivíduo. Ele é quem
vive, necessita e lembra. Ele escolhe e se apropria de determinados suportes
para contar a sua história.
Visto existir essa
subjetividade que diversifica e enriquece o questionamento científico, são
investigadas três famílias com diferentes graus de proximidade com o núcleo da
Colônia Francesa: uma que sempre viveu na Colônia; outra que saiu da Colônia,
mas habita em Pelotas; e outra que saiu do Município. Em cada uma das três
famílias, são investigadas diferentes gerações: alguém da 1ª geração (por exemplo,
um avô); outro da 2ª geração (um filho ou sobrinho); e outro de 3ª geração (um
neto ou sobrinho-neto).
Cada indivíduo está
inserido em grupos sociais diferentes e utiliza elementos diferentes para
contar sua história pessoal ou familiar e manter suas raízes. Assim, o depoente
apresenta diferentes suportes da memória pessoal para serem inventariados:
suportes de fonte material (por exemplo, construções, objetos, registros
escritos); suportes de fonte visual (fotografia, pintura, desenhos) e suportes
de fonte oral (conselhos, vivências, saberes, anedotas).
Para sua continuidade
na fronteira étnica, o grupo fez uso de alguns traços culturais que,
representando símbolos e significados, vinculam indivíduos entre si em uma
organização social chamada etnia. A existência de um grupo étnico não vem da
presença de traços culturais; vem, outrossim, das relações e dos sentimentos de
pertença na fronteira étnica. É por isso que não buscamos resgatar memória ou
identidade. Não existem mais franceses, existem sim, descendentes de famílias
francesas que fazem uso de determinados suportes de memória para marcar suas
relações de memória e identidades que variam no tempo, conforme as necessidades
históricas.
Para responder ao nosso
problema de pesquisa, é preciso cruzar as diferentes fontes (orais, materiais e
visuais) e as diversas categorias de análise surgidas nas entrevistas. É
preciso fazer dialogar a memória social com seus suportes.
4. CONCLUSÕES
Para finalizar, eu
gostaria de chamar atenção para os seguintes aspectos que penso serem
importantes nas pesquisas sociais.
Primeiro, pensar nos
riscos e dificuldades que o projeto de pesquisa pode ter. Neste caso, o mais
significativo deles é a descaracterização do meio. Essa descaracterização não
se dá por falta de interesse ou mudança cultural. É natural haver
ressignificações e alterações de conteúdo ao longo do tempo, pois o homem é um
ser em constante atualização. Mas a descaracterização se dá por empobrecimento
da zona rural e leva à mudança acelerada das referências às próprias raízes,
assim como às antigas adegas, fábricas e casas de pedra erguidas pelos
imigrantes.
Por fim, e não menos
importante, estamos ligados ao grupo das Ciências Humanas ou Sociais, e isso
intensifica o dever e a responsabilidade de nossas pesquisas estarem
relacionadas a algum impacto social. É importante pensarmos nos resultados
esperados. A que e a quem servirão nosso trabalho? Ele poderá tornar melhor a
vida da comunidade e, sobretudo, de nossos depoentes?
Por isso, é
interessante que nosso trabalho possa se vincular com projetos já existentes,
cujos temas sejam interligados ao de nossa pesquisa. A partir de uma demanda da
comunidade étnica estudada, surgiu o interesse num projeto de musealização. Sem
conseguir realizá-lo sozinha, a comunidade recebeu essencial apoio do Poder Público
e da Academia, e juntos puseram o projeto em andamento. Minha intenção é de que
o trabalho de pesquisa histórica e inventário possam ser utilizados na
organização e gestão deste museu.
5.
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